sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Outros sentidos

A PIMENTA DO CHEF

Outro dia fui almoçar num restaurante novo aqui no meu bairro. Como costumo almoçar fora de casa escolho sempre durante a semana o que mais se assemelha com uma casa — de família —, mas nem sempre é possível. Às vezes a pressa me leva a escolher o que está mais ao alcance em alguns passos. Por que então não sair um pouco da rotina? Era só atravessar a rua e pronto, não iria doer nada comer num desses lugares que sofisticam a comida do dia a dia, como se não houvesse as cinco feiras da semana, servindo só comida de domingo. Imaginei-me então de sandálias, bermuda e óculos escuro, e rumei para o bufê. Tinha de tudo: Camarão a Milanesa, Lulas à Pomedor, Peixe à Escabeche, Bacalhau à Gomes de Sá, Picanha Maturada, Fraudinha Desnaturada e Sardinha Desenlatada. Tinha mesmo de tudo, mas aos meus olhos faltava o que aos mais nobres nem sempre arregala os olhos. O simples, o trivial, o Alho e Óleo – esse sim —, para mim Nobre. Tão nobre e tão simples que não tem quem não o tenha experimentando, e não conheça o sabor desta mistura. Poucos, contudo, se atrevem no isolamento da cozinha obter mais do que o simples prazer de apenas apreciá-lo em seu palato. Por alguns instantes perdi os sentidos, ou ganhei-os, no meio de mil recordações. Veio-me o cheiro do almoço de família aos domingos. Num estado alterado de consciência, o que falar dos outros sentidos?
Falar sobre o sublime sentido do olfato ao encontro do aroma desprendido destes dois ingredientes quando se misturam, é um banquete. Senti-lo num frevo deleite, subindo numa cortina de fumaça transparente, é de leveza insustentável. Logo se espalha pela casa, pela gente, atinge qualquer ambiente.
Volto novamente à realidade e noto que estava em transe. Por alguns instantes o encontro dos temperos misturou os sentidos. Numa dança envolvente, numa viagem mágica de sabores que exalta e recorda, enfim acordo e peço ao enorme chef que passa ligeiro por mim com um caldeirão de frutos do mar nas mãos, para me trazer a pimenta. Rapidamente ele se retira, voltando animado com um frasquinho que mais lembrava um perfume e tenta colocar a ardida no meu prato. Pego de sua mão a pimenta e coloco com cuidado quatro gotas apenas. Uma no norte, outra no sul, outra no leste e outra no oeste de meu prato. Muito pouco pra não queimar muito. Arrependi-me logo nas primeiras garfadas, pois o sabor era indecifrável e merecia no mínimo mais quatro gotinhas. O sudeste, o noroeste, o nordeste e o sudoeste mereciam participar desse evento.
Levantei-me logo que terminei a refeição e fui ao seu encontro para agradecê-lo, não antes de informá-lo de que ela era da boa e que merecia mais um pouquinho. Ele com um sorriso enorme e amigável, alegremente me informa que, a da casa é boa, mas a que ele tem na cozinha ele trouxe de sua casa — de família.

Ivany C Neto 19/09/2008

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